Radiografia Social do Recife – Dos arranha-céus da casa-grande às senzalas contemporâneas

Ana Araujo

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A face mais escancarada da cruel desigualdade social se apresenta na problemática da moradia. Venho documentando esse tema desde o final dos anos 1980, quando iniciei minha carreira no fotojornalismo, na cidade do Recife, cobrindo desde a tragédia dos desabamentos de casas nos morros até a luta dos sem-teto contra as ações de despejos nas ocupações do movimento popular. Dei continuidade, ao fotografar em outras cidades, otimizando as viagens nas diversas coberturas jornalísticas que participei. No entanto, foi quando voltei a morar aqui no Recife e a realizar fotos aéreas de helicóptero das obras da Copa do Mundo no Brasil, entre 2013 e 2014, que me impactei muito mais, por meio destas imagens tão chocantes das diferenças sociais e tão estarrecedoras da falta de condições dignas das habitações da população mais carente de recursos, remanescentes dos africanos escravizados e povos originários expulsos de seus territórios. O mais grave e triste desse antagonismo é que essa realidade brasileira vem se agravando ainda mais nos últimos anos. Cada vez mais as habitações são distintas e distantes, principalmente nas grandes capitais e regiões metropolitanas.
Neste ensaio composto por 15 fotos em “negativo preto e branco”, a “radiografia” revela recortes dos bairros das diferentes classes sociais: As imensas torres dos modernos edifícios da zona sul, na beira-mar da na praia de Boa Viagem, onde se concentra a maior renda e mora hoje, grande parte dos herdeiros da “casa-grande” pernambucana do Brasil colonial. Os prédios “caixão” dos populares conjuntos habitacionais até as casinhas e suas escadarias – vias únicas de locomoção dos morros bem distantes do centro do Recife, onde carro não entra, então não chegam ambulâncias. E as mais miseráveis palafitas do rio Pina e rio Capibaribe, do “homem-caranguejo” presente na geografia humana do grande Josué de Castro, inspirador do ícone do Movimento Mangue Beat, Chico Science, que cantou a nossa “manguetown” e a sua perversa injustiça social. “Bem ao lado da casa começava a zona compacta dos mocambos, das choças de palha e de barro, amontoadas umas por cima das outras num enovelado de ruelas, numa anarquia desesperadora. As casas entrando por dentro da maré, a maré invadindo as casas. Os braços do rio passando pelo meio da rua e a lama envolvendo tudo (Castro, 1967, pp. 16-8)”.¹
“A verdade é que a história dos homens do Nordeste me entrou muito mais pelos olhos do que pelos ouvidos. Entrou-me por dentro dos meus olhos ávidos de criança sob a forma destas imagens que estavam longe de serem sempre claras e risonhas (idem, ibidem, pp. 18-9)”.²
¹² MELO FILHO, D. A. de: ‘Mangue, homens e caranguejos em Josué de Castro: significados e ressonâncias’. História, Ciências, Saúde Manguinhos, vol. 10(2): 505-24, maio-ago. 2003.

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Ana Araújo
Ana Araujo
Recife – PE
Fotógrafa  Jornalista  Produtora cultural
@fotoanaraujo