Lilith: Do mito ao mundo

Larissa Noé

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Da árvore do bem e do mal, o fruto indesejado do conhecimento condenou Adão e Eva ao exílio do Éden. Diante das dualidades expostas pelo entendimento da bondade e da maldade, reveladas ainda na primeira mordida, eles se perceberam nus e envergonhados.
Ademais da conhecida concepção teológica para a criação do mundo e da humanidade, no imaginário de antigas lendas semitas, encontramos Lilith. A primeira mulher.
De acordo com a lenda, antes de criar Eva da costela de Adão, Deus criou Lilith do pó da Terra. Portanto, o primeiro homem e a primeira mulher eram iguais em substância. Convocados à existência com a mesma intenção e cuidado pelo Criador. Por esse motivo, Lilith, reconhecendo que havia sido criada pelo Eterno a partir da mesma matéria prima que Adão, rebelou-se, dizendo: ‘‘Por que devo deitar-me em baixo de Adão? Por que devo abrir-me sob teu corpo? Por que ser dominada por ele? Contudo, eu também fui feita de pó, e por isso sou igual à ele.’’ Ao denunciar sua revolta, foi admoestada e coagida a se manter obediente à suposta autoridade do primeiro homem. Por esse motivo, Lilith decidiu, por conta própria, deixar o paraíso.

 

Texto curatorial Frederico Lopes
Em linhas gerais, ao longo da história, o mito de Lilith foi apropriado para criação de diversos arquétipos de subversão e desobediência, que qualificaram a primeira mulher, em diversos casos, como uma figura maligna. Por outro lado, o ideário moderno permitiu que ela se tornasse um símbolo de mulher independente, que recusa se submeter ao controle dos homens.
Independente das acepções contrárias ou a favor de Lilith, o fato é que a figura feminina empoderada pelo conhecimento de si percebe, na própria existência, as armas necessárias para sua luta. E é justamente nos arquétipos próprios daquilo que é feminino que o trabalho da artista Larissa Noé se apropria do mito semita para assegurar a potência poética de seus autorretratos.
Assim como a primeira mulher, conectada ao sagrado pelas linhas de seu corpo e à natureza pelo elo da criação, a artista se apresenta como matéria prima para conciliação entre o mito e o mundo através da exploração da autoimagem, em poéticas que demonstram a potência do feminino destituído de apropriações erotizadas.
Entendendo a fotografia como ferramenta capaz de captar o registro do próprio olhar sobre o próprio corpo, Larissa expõe elementos que estavam diluídos em seu imaginário através do acolhimento da timidez, da fragilidade, da delicadeza e da sensibilidade, estabelecendo paralelos entre elementos naturais e as formas do seu corpo. Tais paralelos criam um diálogo sutil entre as possibilidades do corpo e das folhas e plantas como potencialidades estéticas, buscando, em suas formas naturais, a simbologia para expressar a força da feminilidade.
Nesse sentido, o processo de libertação de Lilith foi adornado pela delicadeza e plasticidade do corpo que se disponibiliza como suporte para criação artística. Desse modo, o ser natural encontra o ser sensível na exploração das texturas, das formas e dos gestos atraídos pelas linhas em comum de suas identidades. Assim, a proximidade com o sagrado é reconquistada na medida em que a essência da existência germina no colo feminino, verdadeiro repouso da origem da vida; lugar de onde emana a potência de uma existência que não aceita qualquer fim que não seja escolhido pela própria vontade.

Por Frederico Lopes

 

 

 

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Larissa Noe
Larissa Noé
Juiz de Fora – MG
Fotógrafa
@larinoe