Lilith: Do mito ao mundo

Larissa Noé

Larissa Noé5

Da árvore do bem e do mal, o fruto indesejado do conhecimento condenou Adão e Eva ao exílio do Éden. Diante das dualidades expostas pelo entendimento da bondade e da maldade, reveladas ainda na primeira mordida, eles se perceberam nus e envergonhados.
Ademais da conhecida concepção teológica para a criação do mundo e da humanidade, no imaginário de antigas lendas semitas, encontramos Lilith. A primeira mulher.
De acordo com a lenda, antes de criar Eva da costela de Adão, Deus criou Lilith do pó da Terra. Portanto, o primeiro homem e a primeira mulher eram iguais em substância. Convocados à existência com a mesma intenção e cuidado pelo Criador. Por esse motivo, Lilith, reconhecendo que havia sido criada pelo Eterno a partir da mesma matéria prima que Adão, rebelou-se, dizendo: ‘‘Por que devo deitar-me em baixo de Adão? Por que devo abrir-me sob teu corpo? Por que ser dominada por ele? Contudo, eu também fui feita de pó, e por isso sou igual à ele.’’ Ao denunciar sua revolta, foi admoestada e coagida a se manter obediente à suposta autoridade do primeiro homem. Por esse motivo, Lilith decidiu, por conta própria, deixar o paraíso.

 

Texto curatorial Frederico Lopes
Em linhas gerais, ao longo da história, o mito de Lilith foi apropriado para criação de diversos arquétipos de subversão e desobediência, que qualificaram a primeira mulher, em diversos casos, como uma figura maligna. Por outro lado, o ideário moderno permitiu que ela se tornasse um símbolo de mulher independente, que recusa se submeter ao controle dos homens.
Independente das acepções contrárias ou a favor de Lilith, o fato é que a figura feminina empoderada pelo conhecimento de si percebe, na própria existência, as armas necessárias para sua luta. E é justamente nos arquétipos próprios daquilo que é feminino que o trabalho da artista Larissa Noé se apropria do mito semita para assegurar a potência poética de seus autorretratos.
Assim como a primeira mulher, conectada ao sagrado pelas linhas de seu corpo e à natureza pelo elo da criação, a artista se apresenta como matéria prima para conciliação entre o mito e o mundo através da exploração da autoimagem, em poéticas que demonstram a potência do feminino destituído de apropriações erotizadas.
Entendendo a fotografia como ferramenta capaz de captar o registro do próprio olhar sobre o próprio corpo, Larissa expõe elementos que estavam diluídos em seu imaginário através do acolhimento da timidez, da fragilidade, da delicadeza e da sensibilidade, estabelecendo paralelos entre elementos naturais e as formas do seu corpo. Tais paralelos criam um diálogo sutil entre as possibilidades do corpo e das folhas e plantas como potencialidades estéticas, buscando, em suas formas naturais, a simbologia para expressar a força da feminilidade.
Nesse sentido, o processo de libertação de Lilith foi adornado pela delicadeza e plasticidade do corpo que se disponibiliza como suporte para criação artística. Desse modo, o ser natural encontra o ser sensível na exploração das texturas, das formas e dos gestos atraídos pelas linhas em comum de suas identidades. Assim, a proximidade com o sagrado é reconquistada na medida em que a essência da existência germina no colo feminino, verdadeiro repouso da origem da vida; lugar de onde emana a potência de uma existência que não aceita qualquer fim que não seja escolhido pela própria vontade.

Por Frederico Lopes

 

 

 

Larissa Noé1
Larissa Noé2
Larissa Noé3
Larissa Noé4
Larissa Noé5
Larissa Noé6
Larissa Noé3
Larissa Noé1
Larissa Noé4
Larissa Noé10
Larissa Noé2
Larissa Noé
Larissa Noé
Juiz de Fora – MG
Fotógrafa
@larinoe