Ensaio sobre o amor sapatão

Marília Oliveira

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Por que insistimos em contar nossas próprias histórias ao mundo? No nosso caso, sapatonas, porque se não formos nós, não há quem possa conta-las. Nos discursos oficiais, na história da humanidade, na memória coletiva do mundo estamos cuidadosamente apagadas, recortadas do que ajudamos a construir. Então trabalho na perspectiva de documentar tudo o que rodeia e forma minha existência sapatão: meus dias comuns, minhas viagens, o tempo que passa em casa, as plantas crescendo, a cortina brega do quarto de casal. Tudo é matéria de memória, tudo compõem o mundo que me sustenta, tudo diz que estou viva neste tempo agora, que não há violência que me fira a carne ou lesbofobia que interdite a luz que entra pela janela da sala.
Este trabalho é sobretudo sobre isso: sobre o direito à memória, sobre o exercício de uma pedagogia visual positiva, que se distancie da violência e do erotismo, que trate do ordinário da experiência do amor sapatão no cotidiano. É um livro sobre o que não dizem sobre nós: entre uma batalha e outra, somos felizes; dançamos durante a guerra. Cozinhamos, cuidamos de gatos e plantas, mudamos móveis de lugar, pulamos carnaval, deixamos bilhetes na porta da geladeira. Este é um trabalho que diz das pequenas amorosidades que envolvem nossa existência no mundo, ao largo e a despeito do que prepararam pra nós. É a costura de nossa memória afetiva, é um álbum de família, um registro de alegria potente.
As produções artísticas sapatonas são dispositivo estético-político de afirmação identitária, ensejamos a construção de uma memória própria, de um conjunto de imagens, objetos, conhecimentos, ideias e estéticas afirmativos de nossa existência. Assim, intento jeitos de tomar de volta a enunciação de nossa subjetividade, fomentar narrativas em que somos nós a falar de nós, manifestar vida, alegria, conforto e amor. Este ensaio é um recorte do trabalho que sustenta minha pesquisa de doutorado e um apanhado – muito em fotografia analógica – das imagens que venho registrando há pelo menos dois anos e que se estenderão até a exposição que acompanha minha tese: Museu do Amor Sapatão.

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Marília Oliveira
Fortaleza – CE
Curadora  Editora de fotografia  Fotógrafa  Pesquisadora
@mariliaoliveira0